QUINTA-FEIRA : LIVROS , LITERATURA , ROMANCE , SUSPENSE ... LEMBRANÇAS DA MEIA-NOITE , SIDNEY SHELDON . Leia aqui , aos poucos , um dos maiores clássicos da literatura de um dos maiores autores de todos os tempos .
Lembranças da Meia-Noite , Sidney Sheldon (parte 1).
"Não me cante canções do dia , pois o sol é inimigo dos amantes . Cante as sombras e a escuridão , cante as lembranças da meia-noite." - SAFO
"Não me cante canções do dia , pois o sol é inimigo dos amantes . Cante as sombras e a escuridão , cante as lembranças da meia-noite." - SAFO
Prólogo - Kawloon , maio de 1949
- Deve parecer um acidente . Pode dar um jeito?
Era um insulto . Ele podia sentir a raiva subindo . Essa era uma pergunta que se fazia a algum amador que se encontrava nas ruas . Ele sentiu-se tentado a responder , com sarcasmo : Claro , claro , acho que posso dar um jeito . Prefere um acidente dentro de casa? Posso cuidar para que ela quebre o pescoço ao cair de uma escada . A dançarina em Marselha . Ou ela pode tomar um porre e se afogar na banheira . A herdeira em Gstaad . Pode também tomar uma overdose de heroína . Já liquidara três dessa maneira . Ou pode adormecer na cama com um cigarro aceso . O detetive sueco no L'Hôtel , na rua Rive Gauche , Paris . Ou será que prefere alguma coisa fora de casa ? Posso arrumar um acidente de carro , um desastre de avião ou um desaparecimento no mar .
Mas ele não disse nenhuma dessas coisas , pois a verdade é que tinha medo do homem sentado à sua frente . Ouvira muitas histórias assustadoras a seu respeito e tinha bons motivos para acreditar nelas . Por isso , limitou-se a dizer :
- Claro , senhor . Posso providenciar um acidente . Ninguém jamais saberá - Mesmo enquanto falava , o pensamento ocorreu-lhe : Ele sabe que eu saberei . Ficou esperando .
Estavam no segundo andar de um prédio na cidade murada de Kowloon , construída em 1840 por um grupo de chineses para se protegerem dos bárbaros britânicos . As muralhas haviam sido derrubadas na Segunda Guerra Mundial , mas havia outras muralhas que mantinham os forasteiros a distância : bandos de assassinos , viciados em drogas e estupradores vagueando pelas ruas estreitas e sinuosas e escadas escuras que levavam à perseguição . Os turistas eram advertidos a não se aproximarem , e nem mesmo a polícia se aventurava além da rua Tung Tau Tsuen , nos arredores . Ele podia ouvir os ruídos da rua além da janela , a confusão poliglota , estridente e rouca , das muitas línguas faladas pelos habitantes da cidade murada .
O homem estudava-o com olhos frios e insidiosos . E finalmente disse :
- Está certo . deixarei o método a seu critério .
- Certo , senhor . O alvo está aqui em Kowloon?
- Em Londres . Seu nome é Catherine ... Catherine Alexander .
- Deve parecer um acidente . Pode dar um jeito?
Era um insulto . Ele podia sentir a raiva subindo . Essa era uma pergunta que se fazia a algum amador que se encontrava nas ruas . Ele sentiu-se tentado a responder , com sarcasmo : Claro , claro , acho que posso dar um jeito . Prefere um acidente dentro de casa? Posso cuidar para que ela quebre o pescoço ao cair de uma escada . A dançarina em Marselha . Ou ela pode tomar um porre e se afogar na banheira . A herdeira em Gstaad . Pode também tomar uma overdose de heroína . Já liquidara três dessa maneira . Ou pode adormecer na cama com um cigarro aceso . O detetive sueco no L'Hôtel , na rua Rive Gauche , Paris . Ou será que prefere alguma coisa fora de casa ? Posso arrumar um acidente de carro , um desastre de avião ou um desaparecimento no mar .
Mas ele não disse nenhuma dessas coisas , pois a verdade é que tinha medo do homem sentado à sua frente . Ouvira muitas histórias assustadoras a seu respeito e tinha bons motivos para acreditar nelas . Por isso , limitou-se a dizer :
- Claro , senhor . Posso providenciar um acidente . Ninguém jamais saberá - Mesmo enquanto falava , o pensamento ocorreu-lhe : Ele sabe que eu saberei . Ficou esperando .
Estavam no segundo andar de um prédio na cidade murada de Kowloon , construída em 1840 por um grupo de chineses para se protegerem dos bárbaros britânicos . As muralhas haviam sido derrubadas na Segunda Guerra Mundial , mas havia outras muralhas que mantinham os forasteiros a distância : bandos de assassinos , viciados em drogas e estupradores vagueando pelas ruas estreitas e sinuosas e escadas escuras que levavam à perseguição . Os turistas eram advertidos a não se aproximarem , e nem mesmo a polícia se aventurava além da rua Tung Tau Tsuen , nos arredores . Ele podia ouvir os ruídos da rua além da janela , a confusão poliglota , estridente e rouca , das muitas línguas faladas pelos habitantes da cidade murada .
O homem estudava-o com olhos frios e insidiosos . E finalmente disse :
- Está certo . deixarei o método a seu critério .
- Certo , senhor . O alvo está aqui em Kowloon?
- Em Londres . Seu nome é Catherine ... Catherine Alexander .
UMA LIMUSINE , seguida por um segundo carro com dois seguranças armados , levou o homem para a Casa Azul, em Lascar Row , na área de Tsim Sha Tsui . A Casa Azul só era acessível a clientes especiais . Chefes de Estado a frequentavam , bem como artistas de cinema e presidentes de empresas . A direção orgulhava-se de sua discrição . Meia dúzia de anos antes , uma das moças que trabalhavam ali conversara sobre seus clientes com um jornalista , e na manhã seguinte fora encontrada em Aberdeen Harbor com a língua cortada . Tudo estava à venda na Casa Azul : Virgens , meninos , lésbicas que se satisfaziam sem os "talos de jade" dos homens e animais . Era o único lugar que ele conhecia em que ainda se praticava a arte do Ishimpo , do século X . A Casa Azul era uma cornucópia de prazeres proibidos .
O homem reservara as gêmeas desta vez . Eram idênticas , com belas feições , corpos incríveis e sem inibições . Ele recordou a última vez em que estivera ali ... o banco de metal sem fundo e as suaves carícias de línguas e dedos , a banheira cheia de água quente fragrante que transbordara para o chão de ladrilhos e as bocas quentes explorando seu corpo . Sentiu o princípio de uma ereção .
- Chegamos , senhor .
O homem reservara as gêmeas desta vez . Eram idênticas , com belas feições , corpos incríveis e sem inibições . Ele recordou a última vez em que estivera ali ... o banco de metal sem fundo e as suaves carícias de línguas e dedos , a banheira cheia de água quente fragrante que transbordara para o chão de ladrilhos e as bocas quentes explorando seu corpo . Sentiu o princípio de uma ereção .
- Chegamos , senhor .
TRÊS HORAS mais tarde , após acabar com as gêmeas , saciado e contente , o homem ordenou que a limusine seguisse para a Mody Road . Olhou através da janela para as luzes faiscantes da cidade que nunca dormia . Os chineses chamavam-na de Gau-lung - nove dragões - e ele imaginou-os à espreita por cima da cidade , prontos para descerem e destruírem os fracos e incautos . Ele não era nenhuma das duas coisas .
CHEGARAM à Mody Road .
O sacerdote taoista à sua espera parecia uma figura de um pergaminho antigo , com uma clássica túnica oriental desbotada e uma barba branca comprida e rala .
- Jou sahn.
- Jou sahn.
- Gei do chin ?
- Jou .
O sacerdote fechou os olhos numa oração silenciosa e começou a sacudir o chim , a taça de madeira cheia de varetas de oração numeradas . Uma vareta caiu e ele parou de sacudir . No silêncio , o sacerdote taoista consultou sua tabela e virou-se para o visitante , dizendo num inglês hesitante :
- Os deuses dizem que em breve se levrará de um perigoso inimigo .
O homem experimentou um agradável ímpeto de surpresa . Era bastante inteligente para ignorá-la . Além disso , havia outro presságio de sorte . Hoje era o Dia de Agios Constantinous , seu aniversário .
- Os deuses o abençoaram com bom fung shui .
- Do jeh .
- Hou wah .
O sacerdote taoista à sua espera parecia uma figura de um pergaminho antigo , com uma clássica túnica oriental desbotada e uma barba branca comprida e rala .
- Jou sahn.
- Jou sahn.
- Gei do chin ?
- Jou .
O sacerdote fechou os olhos numa oração silenciosa e começou a sacudir o chim , a taça de madeira cheia de varetas de oração numeradas . Uma vareta caiu e ele parou de sacudir . No silêncio , o sacerdote taoista consultou sua tabela e virou-se para o visitante , dizendo num inglês hesitante :
- Os deuses dizem que em breve se levrará de um perigoso inimigo .
O homem experimentou um agradável ímpeto de surpresa . Era bastante inteligente para ignorá-la . Além disso , havia outro presságio de sorte . Hoje era o Dia de Agios Constantinous , seu aniversário .
- Os deuses o abençoaram com bom fung shui .
- Do jeh .
- Hou wah .
CINCO MINUTOS DEPOIS , ele estava de novo na limusine , a caminho de Kai Tak , o aeroporto de Hong Kong , onde seu avião particular aguardava para levá-lo de volta a Atenas .
CAPÍTULO 1
1
Ioannina , Grécia
julho de 1948
Despertava gritando todas as noites e era sempre o mesmo sonho . Estava no meio de um lago , numa tempestade furiosa , um homem e uma mulher forçavam sua cabeça sob as águas geladas , afogando-a . Despertava em pânico , ofegando para respirar , encharcada de suor .
Não fazia ideia de quem era e não tinha lembrança do passado . falava inglês - mas não sabia de que país era ou como fora parar na Grécia , no pequeno convento carmelita que a abrigava .
À medida que o tempo passava , havia lampejos angustiantes de memória , vislumbres de imagens vagas e efêmeras , que afloravam e desapareciam tão depressa que não podiam apreendê-las , retê-las e examiná-las . Ocorriam em momentos inesperados , pegando-a desprevenida e deixando-a na maior confusão .
Fizera perguntas no começo . As freiras carmelitas eram gentis e compreensivas , mas a ordem era de silêncio , e a única que tinha permissão para falar era irmã Theresa , a idosa e frágil madre superiora .
- sabe quem eu sou?
- Não , minha criança - respondeu irmã Theresa .
- Como cheguei aqui ?
- Ao pé destas montanhas há uma aldeia chamada Ioannina . Você estava num pequeno barco no lago durante uma tempestade , no ano passado . O barco afundou , mas , pela graça de Deus , duas de nossas irmãs a viram e a salvaram . Trouxeram-na para cá .
- Mas ... de onde vim antes disso ?
- Lamento , criança , mas não sei .
Ela não podia se satisfazer com isso .
- Ninguém perguntou por mim ? Ninguém tentou me encontrar ?
Irmã Theresa sacudiu a cabeça .
- Ninguém .
Ela sentiu vontade de gritar em frustração . Tentou de novo .
- Os jornais .. devem ter publicado uma notícia sobre o meu desaparecimento .
- Como sabe , não temos permissão para qualquer comunicação com o mundo exterior . Devemos agradecer a Ele por sua misericórdia . Você está viva .
E isso foi o máximo que ela conseguiu . No começo estava muito doente para se preocupar consigo mesma , mas pouco a pouco , à medida que os meses passavam , recuperou a força e a saúde .
Quando se tornou forte o suficiente para se movimentar de um lado a outro , passava os dias cuidando da colorida horta nos fundos do convento , sob a luz incandescente que banhava a Grécia com um brilho celestial , com a brisa que trazia os aromas pungentes de limoeiros e videiras .
O ambiente era sereno e calmo , mas ela não conseguia encontrar paz . Estou perdida e ninguém se importa , pensava . Por quê ? Fiz alguma coisa horrível ? Quem sou eu ? Quem sou eu ? Quem sou eu ?
As imagens continuaram a aflorar , espontâneas . Despertou certa manhã , abruptamente , com a visão de si mesma num quarto , um homem nu a despi-la . Seria um sonho ? Ou algo que lhe acontecera no passado ? Quem era o homem ? Seria alguém com quem ela casara ? Tinha um marido ? Não usava aliança . Na verdade , não tinha coisa alguma além do hábito preto da Ordem das Carmelitas dado por irmã Theresa e um broche , um pequeno pássaro dourado com olhos de rubi e asas estendidas .
Era anônima , uma estranha vivendo entre estranhas . Não havia ninguém para ajudá-la , nenhum psiquiatra para lhe dizer que sua mente fora tão traumatizada que só podia permanecer sã se a fechasse para o terrível passado .
E as imagens continuavam a surgir mais e mais depressa . Era como se sua mente tivesse se transformado de repente num gigantesco quebra-cabeça , com peças insólitas caindo nos lugares . Só que as peças não faziam sentido . teve uma visão de um enorme estúdio , repleto de homens em uniforme militar . pareciam estar fazendo um filme . Eu era uma atriz ? Não , parecia estar no comando . Mas no comando de quê ?
Um soldado entregou-lhe um buquê de flores . Terá de pagar por isso , disse ele , rindo .
Duas noites depois , teve um sonho sobre o mesmo homem . Despedia-se dele no aeroporto e acordou chorando , porque estava perdendo-o .
Não houve mais paz para ela depois disso . Não eram meros sonhos . Eram fragmentos de sua vida , de seu passado . Preciso descobrir quem era eu . Quem sou eu .
E , inesperadamente , no meio da noite , sem aviso , um nome se projetou de seu subconsciente . Catherine . Meu nome é Catherine Alexander .
Ioannina , Grécia
julho de 1948
Despertava gritando todas as noites e era sempre o mesmo sonho . Estava no meio de um lago , numa tempestade furiosa , um homem e uma mulher forçavam sua cabeça sob as águas geladas , afogando-a . Despertava em pânico , ofegando para respirar , encharcada de suor .
Não fazia ideia de quem era e não tinha lembrança do passado . falava inglês - mas não sabia de que país era ou como fora parar na Grécia , no pequeno convento carmelita que a abrigava .
À medida que o tempo passava , havia lampejos angustiantes de memória , vislumbres de imagens vagas e efêmeras , que afloravam e desapareciam tão depressa que não podiam apreendê-las , retê-las e examiná-las . Ocorriam em momentos inesperados , pegando-a desprevenida e deixando-a na maior confusão .
Fizera perguntas no começo . As freiras carmelitas eram gentis e compreensivas , mas a ordem era de silêncio , e a única que tinha permissão para falar era irmã Theresa , a idosa e frágil madre superiora .
- sabe quem eu sou?
- Não , minha criança - respondeu irmã Theresa .
- Como cheguei aqui ?
- Ao pé destas montanhas há uma aldeia chamada Ioannina . Você estava num pequeno barco no lago durante uma tempestade , no ano passado . O barco afundou , mas , pela graça de Deus , duas de nossas irmãs a viram e a salvaram . Trouxeram-na para cá .
- Mas ... de onde vim antes disso ?
- Lamento , criança , mas não sei .
Ela não podia se satisfazer com isso .
- Ninguém perguntou por mim ? Ninguém tentou me encontrar ?
Irmã Theresa sacudiu a cabeça .
- Ninguém .
Ela sentiu vontade de gritar em frustração . Tentou de novo .
- Os jornais .. devem ter publicado uma notícia sobre o meu desaparecimento .
- Como sabe , não temos permissão para qualquer comunicação com o mundo exterior . Devemos agradecer a Ele por sua misericórdia . Você está viva .
E isso foi o máximo que ela conseguiu . No começo estava muito doente para se preocupar consigo mesma , mas pouco a pouco , à medida que os meses passavam , recuperou a força e a saúde .
Quando se tornou forte o suficiente para se movimentar de um lado a outro , passava os dias cuidando da colorida horta nos fundos do convento , sob a luz incandescente que banhava a Grécia com um brilho celestial , com a brisa que trazia os aromas pungentes de limoeiros e videiras .
O ambiente era sereno e calmo , mas ela não conseguia encontrar paz . Estou perdida e ninguém se importa , pensava . Por quê ? Fiz alguma coisa horrível ? Quem sou eu ? Quem sou eu ? Quem sou eu ?
As imagens continuaram a aflorar , espontâneas . Despertou certa manhã , abruptamente , com a visão de si mesma num quarto , um homem nu a despi-la . Seria um sonho ? Ou algo que lhe acontecera no passado ? Quem era o homem ? Seria alguém com quem ela casara ? Tinha um marido ? Não usava aliança . Na verdade , não tinha coisa alguma além do hábito preto da Ordem das Carmelitas dado por irmã Theresa e um broche , um pequeno pássaro dourado com olhos de rubi e asas estendidas .
Era anônima , uma estranha vivendo entre estranhas . Não havia ninguém para ajudá-la , nenhum psiquiatra para lhe dizer que sua mente fora tão traumatizada que só podia permanecer sã se a fechasse para o terrível passado .
E as imagens continuavam a surgir mais e mais depressa . Era como se sua mente tivesse se transformado de repente num gigantesco quebra-cabeça , com peças insólitas caindo nos lugares . Só que as peças não faziam sentido . teve uma visão de um enorme estúdio , repleto de homens em uniforme militar . pareciam estar fazendo um filme . Eu era uma atriz ? Não , parecia estar no comando . Mas no comando de quê ?
Um soldado entregou-lhe um buquê de flores . Terá de pagar por isso , disse ele , rindo .
Duas noites depois , teve um sonho sobre o mesmo homem . Despedia-se dele no aeroporto e acordou chorando , porque estava perdendo-o .
Não houve mais paz para ela depois disso . Não eram meros sonhos . Eram fragmentos de sua vida , de seu passado . Preciso descobrir quem era eu . Quem sou eu .
E , inesperadamente , no meio da noite , sem aviso , um nome se projetou de seu subconsciente . Catherine . Meu nome é Catherine Alexander .
CÁPITUMO 2
Atenas , Grécia
O império de Constantin Demires não podia ser localizado em qualquer mapa , mas ele era o soberano de um feudo maior e mais poderoso do que muitos países . Um dos dois ou três homens mais ricos do mundo e sua influência era incalculável . Não possuía título ou posição oficial , mas regulamente comprava e vendia primeiros-ministros , cardeais , embaixadores e reis . Os tentáculos de Demires estavam por toda parte , envolvendo dezenas de países . Era um homem carismático , com uma mente brilhante incisiva , um físico impressionante , muito acima da estatura mediana , peito estufado e ombros largos . A pele era trigueira , tinha um nariz grego e olhos muito pretos . Possuía o rosto de um falcão , um predador . Quando se dava ao trabalho , Demires podia ser extremamente encantador . Falava oito línguas e era um afamado contador de histórias . Possuía uma das mais importantes coleções de arte do mundo , uma frota de aviões particulares e uma dúzia de apartamentos , castelos e mansões espalhados pelo globo . Era um conhecedor da beleza e achava as mulheres lindas irresistíveis . Tinha a reputação de amante vigoroso e suas aventuras românticas eram tão pitorescas quanto as aventuras financeiras .
Constantin Demires orgulhava-se de ser um patriota - a bandeira grega azul e branca estava sempre hasteada em sua villa em Kolonakie em Psara , sua ilha particular - mas não pagava impostos . Não se sentia obrigado a obedecer às regras que se aplicavam aos homens comuns . Em suas veias corria ichor - o sangue dos deuses .
Constantin Demires orgulhava-se de ser um patriota - a bandeira grega azul e branca estava sempre hasteada em sua villa em Kolonakie em Psara , sua ilha particular - mas não pagava impostos . Não se sentia obrigado a obedecer às regras que se aplicavam aos homens comuns . Em suas veias corria ichor - o sangue dos deuses .
QUASE TODAS AS PESSOAS com que Demires se encontrava sempre queriam alguma coisa dele : financiamento para um projeto ; um donativo para uma obra de caridade ; ou apenas o poder que sua amizade podia proporcionar . Demires gostava do desafio de descobrir o que as pessoas realmente procuravam , pois quase nunca era o que parecia ser . Sua mente analítica era cética da verdade superficial e por isso não acreditava em nada do que lhe diziam , não confiava em ninguém . Seu lema era "Mantenha os amigos próximos , mas os inimigos ainda mais próximos." Os repórteres que cobriam sua vida tinham permissão para ver apenas sua jovialidade e charme , o homem do mundo , sofisticado e cortês . Não tinham motivos para desconfiar que por trás daquela fachada amável havia um um assassino , um lutador da sarjeta , cujo instinto era sempre procurar a jugular .
Era um homem implacável , que jamais esquecia uma afronta . Para os antigos gregos , a palavra dikaiosini , justiça , era muitas vezes sinônimo de ekdikisis , vingança - Demires era obcecado pelas duas coisas . Lembrava-se de cada insulto de que fora vítima e as pessoas desafortunadas o suficiente para incorrerem em sua inimizade recebiam um troco cem vezes maior . Nunca sabiam disso , pois a mente matemática de Demires promovia um jogo de retaliação meticulosa , pacientemente desenvolvendo armadilhas requintadas e teias complexas que acabavam por capturar e destruir seus inimigos .
Ele apreciava as horas que passava planejando a queda de seus adversários . Estudava as vítimas com todo cuidado , analisando suas personalidades , avaliando suas forças e fraquezas .
Uma noite , num jantar , Demires ouviu um produtor de cinema referir-se a ele como "aquele grego untuoso" . Deixou o tempo passar . Dois anos depois , o produtor contratou uma linda atriz de fama internacional para estrear seu novo filme , com um vultoso orçamento , em que estava investindo seu próprio dinheiro . Demires esperou até o filme estar pela metade , depois seduziu a atriz e persuadiu-a a um passeio em seu iate .
- Será uma lua de mel - prometeu Demires .
Ela teve a lua de mel , mas não o casamento . O filme finalmente teve de ser cancelado e o produtor faliu .
Era um homem implacável , que jamais esquecia uma afronta . Para os antigos gregos , a palavra dikaiosini , justiça , era muitas vezes sinônimo de ekdikisis , vingança - Demires era obcecado pelas duas coisas . Lembrava-se de cada insulto de que fora vítima e as pessoas desafortunadas o suficiente para incorrerem em sua inimizade recebiam um troco cem vezes maior . Nunca sabiam disso , pois a mente matemática de Demires promovia um jogo de retaliação meticulosa , pacientemente desenvolvendo armadilhas requintadas e teias complexas que acabavam por capturar e destruir seus inimigos .
Ele apreciava as horas que passava planejando a queda de seus adversários . Estudava as vítimas com todo cuidado , analisando suas personalidades , avaliando suas forças e fraquezas .
Uma noite , num jantar , Demires ouviu um produtor de cinema referir-se a ele como "aquele grego untuoso" . Deixou o tempo passar . Dois anos depois , o produtor contratou uma linda atriz de fama internacional para estrear seu novo filme , com um vultoso orçamento , em que estava investindo seu próprio dinheiro . Demires esperou até o filme estar pela metade , depois seduziu a atriz e persuadiu-a a um passeio em seu iate .
- Será uma lua de mel - prometeu Demires .
Ela teve a lua de mel , mas não o casamento . O filme finalmente teve de ser cancelado e o produtor faliu .
HAVIA UNS POUCOS jogadores na roda de Demires com quem ele ainda não acertara as contas , mas não tinha pressa . Gostava da expectativa , planejando a execução . Agora não fazia mais inimigos , pois nenhum homem podia se dar ao luxo de ser seu inimigo ; por isso , suas presas estavam limitadas aos que haviam cruzado seu caminho no passado .
Mas o senso de dikaiosini de Constantin Demires funcionava nos dois sentidos . Assim como nunca perdoava uma afronta , também não esquecia um favor . Um pobre pescador que dera abrigo a um menino descobria-se de repente como o proprietário de uma frota pesqueira . Uma prostituta que alimentara e sustentara o rapaz , quando ele era pobre demais para pagá-la , misteriosamente herdava um prédio de apartamentos , sem ter a menor ideia de quem era seu benfeitor .
Mas o senso de dikaiosini de Constantin Demires funcionava nos dois sentidos . Assim como nunca perdoava uma afronta , também não esquecia um favor . Um pobre pescador que dera abrigo a um menino descobria-se de repente como o proprietário de uma frota pesqueira . Uma prostituta que alimentara e sustentara o rapaz , quando ele era pobre demais para pagá-la , misteriosamente herdava um prédio de apartamentos , sem ter a menor ideia de quem era seu benfeitor .
DEMIRES COMEÇARA a vida como filho de um estivador no Peru . Tinha 14 irmãos e nunca havia comida suficiente na mesa .
Desde cedo Constantin Demires demonstrara um talento fantástico para os negócios . Ganhava um dinheiro extra fazendo trabalhos variados depois da escola e aos 16 anos economizara o bastante para abrir um estande de comida no cais , com um sócio mais velho . O negócio prosperou e o sócio enganou Demires , roubando sua metade . Demires levou dez anos para destruí-lo . O jovem ardia com uma ambição intensa . Ficava acordado à noite , os olhos brilhando no escuro . Serei rico . Serei famoso . Um dia todos conhecerão meu nome . Era o único acalanto que podia pô-lo para dormir . Não tinha ideia de como isso aconteceria . Só sabia que aconteceria .
Desde cedo Constantin Demires demonstrara um talento fantástico para os negócios . Ganhava um dinheiro extra fazendo trabalhos variados depois da escola e aos 16 anos economizara o bastante para abrir um estande de comida no cais , com um sócio mais velho . O negócio prosperou e o sócio enganou Demires , roubando sua metade . Demires levou dez anos para destruí-lo . O jovem ardia com uma ambição intensa . Ficava acordado à noite , os olhos brilhando no escuro . Serei rico . Serei famoso . Um dia todos conhecerão meu nome . Era o único acalanto que podia pô-lo para dormir . Não tinha ideia de como isso aconteceria . Só sabia que aconteceria .
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